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A bicicleta e o direito de mudar São Paulo

 

 

GABRIEL DI PIERRO SIQUEIRA

TENDÊNCIAS/DEBATES

Ações da prefeitura incentivam o uso da bicicleta para o lazer, como as ciclofaixas aos finais de semana, mas as pessoas querem utilizá-la para ir ao trabalho

 

 

No último dia 2 de março, Juliana Dias perdeu a sua vida no violento trânsito de São Paulo -o mesmo que, em 2009, vitimou a também ciclista Marcia Prado, na mesma avenida Paulista.

 

Sua morte tem levantado uma importante e intensa discussão a respeito do uso da bicicleta nas grandes cidades.

 

A bicicleta é uma realidade em São Paulo e em todo o mundo. Andam pelas ruas paulistanas mais de 500 mil ciclistas. A maioria utiliza a bicicleta não como instrumento de lazer, mas para realizar os seus trajetos diários.

 

Como os pedestres, ciclistas têm prioridade sobre os demais veículos, como indica o Código de Trânsito Brasileiro. O Ministério das Cidades tem construído uma Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável baseada na priorização do transporte coletivo e dos meios não motorizados.

 

No entanto, enquanto o discurso sobre mobilidade evolui, as ações concretas são quase inexistentes. Hoje, qualquer cidadão que optar pelo uso da bicicleta deve estar decidido a enfrentar a absoluta falta de infraestrutura, de fiscalização e de educação para o compartilhamento da pista.

 

São Paulo tem uma lista imensa de projetos e planos cicloviários previstos em lei que jamais saíram do papel. Um dos casos mais emblemáticos é o dos 367 km de infraestrutura para bicicletas previstos no Plano Diretor Estratégico Regional de 2004, lei que nunca foi cumprida.

 

O plano de metas apresentado em 2008 pelo atual prefeito indica a construção de 55 km de ciclovias até 2012. Até o momento, nada foi implantado. Muitas das ações do governo municipal estão centradas na ideia da bicicleta como instrumento de lazer, como as ciclofaixas abertas aos finais de semana e feriados.

 

O artigo 201 do código de trânsito prevê punição ao motorista que ultrapassar uma bicicleta a menos de 1,5 metro ou em alta velocidade, mas a infração não consta no talão da CET e tampouco é regulada pela Polícia Militar. Além disso, faltam campanhas educativas e um acompanhamento mais efetivo do trabalho de motoristas de ônibus.

 

O trânsito paulistano, que vitima quase 1.500 pessoas por ano, é uma demonstração diária da inviabilidade do transporte individual motorizado. Ainda assim, prevalece a chamada “cultura do automóvel”, privilegiando o modal menos inteligente e mais nocivo -que, muitas vezes, leva apenas uma pessoa em 1,5 tonelada de metal.

 

A bicicleta não será, sozinha, a solução para a cidade. Uma política eficiente deve integrá-la ao transporte público, que precisa ser melhorado. Não se deve aceitar, contudo, que um direito previsto em lei seja negado, que ciclistas sejam ameaçados diariamente nas ruas e vejam parceiros serem mortos no trânsito por conta da omissão dos gestores públicos.

 

A bicicleta é política, um instrumento para questionar a forma como São Paulo vem sendo concebida e propor alternativas que possibilitem o convívio, o uso democrático do espaço público e a circulação de pessoas. Uma arriscada tarefa, quando a incivilidade é a regra.

 

GABRIEL DI PIERRO SIQUEIRA, 32, é psicólogo e diretor da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade)

 

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