Ciclovias: Ministério Público Estadual e a defesa do retrocesso em São Paulo
Ação civil pública contrária às bicicletas é um erro na opinião dos especialistas e um enorme prejuízo para a cidade
Renato Roschel
Bicicletas não têm partido. Seu uso não deve ser de forma alguma motivo para uma luta política. Fazer isso é colocar em segundo plano o tema mais importante do debate: a mobilidade urbana. Em uma cidade democrática, quem quer se locomover utilizando o automóvel deve ter esse direito preservado. O mesmo direito vale para todas as pessoas que preferem utilizar as bikes. Uma São Paulo mais justa deve ter, em sua malha viária, espaços garantidos para todos os tipos de transporte e não apenas para os automóveis.
Porém, não é isso o que parece pensar o Ministério Público Estadual (MPE). O órgão entrou com uma ação civil pública que paralisou a instalação de ciclovias na cidade de São Paulo. O processo número 1009441-04.2015.8.26.0053 está agora nas mãos do juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra, da 5ª Vara da Fazenda Pública, que vai emitir um parecer sobre o caso.
A ação do MPE defende ainda que sejam desfeitas, no prazo de 30 dias, todas as ciclovias incompletas, como é o caso da faixa que está sendo construída na Avenida Paulista. Na opinião de todos os especialistas em mobilidade ouvidos pelo Portal NAMU, isso representa um gigantesco retrocesso para a cidade.
“A esmagadora maioria está defendendo a ciclovia”, afirma a arquiteta e cicloativista Renata Falzoni. Para ela, “há pessoas que estão achando que falar mal da ciclovia é falar mal do partido da situação. A mobilidade de bicicleta não deve ser encarada como uma política partidária. Quem faz isso está negando o que já se provou, que é a falência da mobilidade de carro”.
Essa disputa também pode ser muito prejudicial aos cofres públicos. Se a decisão judicial for favorável à ação da MPE, a Prefeitura terá de desfazer obras como a ciclovia da Avenida Paulista. Isso trará um enorme prejuízo financeiro à cidade. “Voltar ao que estava antes na Avenida Paulista não faz sentido para ninguém”. É o que afirma, por exemplo, Thiago Benicchio, gerente de transportes ativos no Brasil do Institute for Transportation & Developement Policy (ITDP).
“A ação do MP é um retrocesso. Os argumentos usados pela promotora só tinham um interesse: defender o uso do carro”, atesta Felipe Aragonez, diretor de comunicação do Instituto CicloBR. Para Aragonez, “a decisão de paralisar as obras da ciclovia é uma derrota para a cidade de São Paulo. Infelizmente, o Ministério Público está promovendo a judicialização de uma política municipal”.
Responsável pela ação, a promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo Camila Mansour Magalhães da Silveira afirma que um dos motivos do processo foi a falta de estudos técnicos necessários.
“A promotora falar que não houve planejamento é um desaforo”, afirma Aragonez. Segundo ele, “desde a campanha do Haddad nas eleições era dito que ele faria 400 quilômetros de ciclovias. Aconteceram diversas reuniões abertas no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte além de audiências públicas. A CET possui estudos de ciclovias desde 1980. O fomento do transporte ativo está previsto na Política Nacional de Mobilidade Urbana. Não vejo problema do MP pedir estudos de viabilidade, mas usar argumentos rasos para defender um bem privado é inadmissível”.
Para lutar contra esse retrocesso, inúmeras organizações e entidades ligadas à defesa do transporte coletivo e de uma cidade mais atenta aos ciclistas e pedestres publicaram uma nota contra a ação feita pelo MPE. Os grupos de organizações favoráveis às ciclovias produziram também um abaixo-assinado para proteger o uso das bicicletas no município. Além disso, a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) entrou com uma petição para que as organizações de ciclistas participem como assistentes no processo. O objetivo dessa medida é, segundo o grupo, “defender a importância dos investimentos no sistema cicloviário”.
Resta saber agora até onde a promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo do MPE vai continuar defendendo “a estupidez do automóvel”, como já afirmou o premiado arquiteto e urbanista Paulo Mendes da Rocha.
Fonte: Portal Namu.