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Em encontro histórico, prefeito de SP conversa com ciclistas sobre segurança nas ruas e participação pública na gestão

 

Terminou pouco antes das nove da manhã de hoje (22/3) a reunião entre o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e um grupo de 12 ciclistas convidados a debater o problema da falta de segurança no trânsito da cidade. A reunião, que teve início às seis horas da manhã no prédio da prefeitura, no Viaduto do Chá, centro da cidade, foi pedida pelo próprio prefeito, em caráter de exceção, depois que um grupo de ciclistas protestou diante da sua residência no dia 17/3, por conta do atropelamento de David Souza Santos no dia 10 de março, quando pedalava pela avenida Paulista. Além de Haddad, estiveram presentes outros dois gestores públicos: o secretário de coordenação de sub-prefeituras, Chico Macena, e o diretor de transportes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego),Ronaldo Tonobohn. Entre os participantes da reunião estavam pessoas que participaram do protesto de domingo, além de membros de entidades e grupos ligados à causa da bicicleta e mobilidade urbana. A Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo – foi a porta-voz do grupo durante a reunião com Haddad. Segundo a diretora financeira da associação, Jéssica Martineli, cinco pontos guiaram a conversa desta manhã: campanhas educativas de respeito ao ciclista, mais espaços de participação pública, integração de ações pró-ciclista, campanhas de acalmamento do tráfego e orçamento. O Na Bike publica a seguir a íntegra da entrevista com a diretora financeira da Ciclocidade.

 

Quais os principais pontos discutidos com o prefeito?

 

Atendemos a esse chamado do prefeito (para a reunião), e como é um momento novo muito importante de ser recebido assim, em um espaço tão curto pelo prefeito, decidimos não trazer muitos pedidos, mas reforçar para ele que no próprio plano de governo existem propostas. E até na carta de compromisso que ele assinou com os ciclistas existem propostas que já podem ser executadas. Trouxemos 5 pontos que existem aí (na carta), mas que gostaríamos que fossem reforçados. O primeiro deles é uma campanha educativa e de comunicação que coloca o ciclista como alguém que pode estar na rua. Isso é previsto em lei, a gente não tem que ser criminalizado por estar pedalando na rua e colocamos isso. Ele se mostrou bastante aberto para algo que pode acontecer em breve.

 

Alguma campanha?

 

Durante a reunião ele já apontou alguém (da prefeitura) para iniciar uma campanha, e algumas pessoas que estavam lá (ciclistas) se destacaram para estar junto, para acompanhar.

 

Qual o segundo ponto destacado?

 

A gente colocou que gostaria que os ciclistas em geral tivessem mais espaços de participação para que possam acompanhar o que a prefeitura está fazendo, entender como está sendo feito e que possam interferir. Pode ser desde o grupo Pró Ciclista que volte de forma mais participativa, como conselhos, audiências públicas, para que em outros momentos mais ciclistas possam participar.

 

Nesse aspecto o prefeito deu alguma abertura?

 

Ele disse que acha esse ponto fundamental. Em vários momentos, ele e o secretário Chico Macena deixaram claro que essa abertura existe, o governo vai mudar seu comportamento com relação aos ciclistas e eles colocaram pelo menos dois momentos para isso acontecer: o decreto do Pró-Ciclista vai ser revisto; ele está ainda num processo de saber quem vai formar o Pró-Ciclista e para que ele vai servir. E ele também colocou que todos os ciclistas, todos os cidadãos terão um papel muito importante participando das audiências para construção do Plano Diretor.

 

Voltando aos 5 pontos levados à reunião, qual é o terceiro?

 

Outra questão que levantamos foi a coordenação das ações em prol dos ciclistas, que estejam integradas, para que o que deu certo em um lugar seja feito em outros, e para que o que deu errado não se repita. Algumas pessoas sugeriram a criação de uma Secretaria que possa envolver esses assuntos. Mas o que eles sinalizaram é que a gente tem a Secretaria de Transportes como espaço para discutir a bicicleta em São Paulo. Num primeiro momento dessa gestão eles pensaram em colocar isso em outra Secretaria ou nas sub-prefeituras, mas o que eles acham é que se a bicicleta é um meio de transporte, ela precisa estar na Secretaria de Transportes.

 

Quarto ponto.

 

Junto às campanhas educativas a gente reforçou que acha muito interessante que campanhas de acalmamento de tráfego aconteçam. Isso está no plano de governo dele também e é algo que precisa ser pensado junto com outras ações estruturais, como por exemplo semáforos inteligentes que já reduzam a velocidade do motorista antes. E outras ações de infra-estrutura, não só fiscalização. Ele disse que isso é algo que deve acontecer, mas que ele não tem propriedade para falar sobre o assunto e que isso está sendo estudado pela Secretaria de Transportes e CET.

 

Quinto ponto.

 

O último ponto seria o orçamento. A gente entende que, para tudo isso acontecer, o dinheiro precisa vir de algum lugar. No programa de governo dele, o dinheiro viria do fundo de transportes. Ele disse que essa não é uma preocupação que a gente tem que ter agora. O dinheiro vai vir ao longo do tempo, tanto com relação aos investimentos que a prefeitura tem buscado em vários lugares, inclusive no Banco Mundial, nos governos do Estado e Federal. O prefeito entende essa preocupação, mas que independentemente dela as coisas vão acontecer. A Ciclocidade vê esse retorno como muito positivo, primeiro por ter tido esse espaço. Segundo porque nada deixou de ser respondido. Foi uma reunião longa, e a gente conseguiu ouvir muito. O mais interessante é que ele perguntou para os ciclistas coisas sobre as quais ele não tem conhecimento.

 

Por exemplo…

 

Por exemplo, o que achamos da ciclofaixa? Se a gente acha que ela deve ser estendida ou não. O que os ciclistas pensam a respeito de assuntos ciclísticos da cidade. Isso é um sinal de que, realmente, ele está interessado não em fazer qualquer coisa, mas entender e depois começar a fazer.

 

O prefeito chegou a comentar a declaração que deu sobre os ciclistas usarem vias secundárias para evitar a avenida Paulista?

 

Ele não chegou a comentar, mas a gente acabou dando esse recado pra ele. Quando ele falou sobre o acalmamento de tráfego, deu pra perceber que sobre alguns assuntos ele não tem entendimento e acaba respondendo por eles também. Mostramos a ele que o poder público, ele como prefeito, os técnicos da CET ou de outras secretarias precisam ter em mente que eles não podem dar qualquer tipo de declaração que possa afetar o ciclista na rua. Dizer que o ciclista devia usar uma via paralela é reforçar que o ciclista não deve estar na Paulista. Acho que ele entendeu o recado, assim como o Macena e o Tonobohn também. A prefeitura tem que ter um discurso afirmativo da bicicleta, e ela não pode dar esse tipo de declaração porque reforça que o motorista avance para cima do ciclista ou do pedestre quando ele diz para o pedestre não atravessar fora da faixa.

 

Do ponto de vista histórico, para a causa da mobilidade urbana por bicicleta, o que representou a reunião de hoje?

 

Em primeiro lugar, é muito emocionante para essas 12 pessoas que estavam aqui entender que elas estavam vivendo um momento único e com uma responsabilidade enorme de representar 500 mil pessoas que pedalam em São Paulo. Pra gente foi algo surpreendente, muito rápido de se articular e de tentar se articular diante de vozes tão diversas de tantas pessoas. Isso foi um primeiro momento. Não que um ou outro queira representar a cidade inteira, mas a gente entendeu o nosso papel ali. Em segundo lugar, vimos que a prefeitura, finalmente, está se abrindo para a bicicleta de modo a construir uma nova mentalidade e mudar o modal. Se São Paulo era só para os carros, São Paulo não pode ser mais só para os carros. Acho que essa reunião dá essa deixa: se os ciclistas, pedestres e os outros lados que não só os automóveis começarem a brigar por esse espaço e reivindicar do poder público que isso aconteça – e a gente está tendo esse espaço da prefeitura – a gente tem que ser inteligente para saber usar esse espaço. Se tiver espaço de participação a gente tem que ocupar. E eles estão dizendo que vai haver. Isso é histórico.

 

 

FONTE

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