O serviço de mototáxi é viável em São Paulo? NÃO
Metrópole não oferece segurança, e velocidade amplia riscos
Na edição do último dia 10, a Folha de S. Paulo abriu o debate sobre a viabilidade do serviço de mototáxi em São Paulo. Diogo Lemos, Coordenador-executivo da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global; Flavio Soares, Gerente de projetos da Ciclocidade; e Rafael Calabria, Coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), assinaram artigo no jornal com posicionamento contrário à iniciativa.
Leia abaixo a íntegra do texto:
A maior presença das motocicletas nas cidades é uma realidade. Não apenas notável nas ruas e rodovias de São Paulo, trata-se de um fenômeno observado em várias partes do planeta. A princípio, a motocicleta é um veículo atrativo: oferece praticidade no deslocamento e estacionamento, preços acessíveis para aquisição, gastos menores com combustível e, para quem não é motociclista, a conveniência de receber encomendas de maneira rápida.
No entanto, muitos municípios, e a capital paulista é um deles, não oferecem ainda condições para o deslocamento seguro nesses veículos. Todos os anos, cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem durante seus deslocamentos diários, principalmente em países de baixa e média renda. O número é uma calamidade para a saúde pública.
O mais importante dessa equação é a velocidade. Ela não apenas amplia o risco de que algo possa dar errado no trânsito como aumenta a gravidade das lesões caso haja uma colisão ou um atropelamento. Motociclistas estão particularmente expostos, uma vez que os impactos às altas velocidades acontecem em seus próprios corpos. A adição de um serviço de passageiros nessas condições é um complicador.
Com base na ciência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o limite máximo de velocidade em áreas urbanas seja de 50 km/h e, em locais movimentados, de 30 km/h. A chance, por exemplo, de um pedestre sobreviver após ser atropelado a 60 km/h é praticamente nula. No Brasil, o Código de Trânsito Brasileiro recomenda limites máximos em vias arteriais de 60 km/h, além de permitir que municípios adotem índices ainda maiores. Mas o caminho está posto: uma das metas definidas pelo Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) em 2021 é adequar a lei de forma a seguir a recomendação da OMS, além de permitir a fiscalização por velocidades médias.
São Paulo esteve na vanguarda desse movimento. Desde 2011, vem reduzindo as velocidades das avenidas, colhendo impactos expressivos na redução de mortes e severidade das ocorrências. O padrão hoje é 50 km/h. Os dados dos últimos anos, contudo, mostram que estagnamos. Não estamos mais conseguindo diminuir a letalidade do trânsito. Para as motos, a notícia é pior: a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) aponta que 44% das vítimas fatais de 2021 —perto da metade, portanto— eram motociclistas. Sendo as motos menos de 16% da frota veicular, isso mostra que a insegurança viária da cidade é especialmente severa com seus ocupantes.
A segurança para quem se desloca é feita de várias camadas que se reforçam. Precisamos ser muito mais eficientes e enfáticos nas políticas adotadas. Os locais que conseguiram criar condições para a circulação segura por motocicletas, principalmente países e cidades da Europa, adotaram estratégias holísticas baseadas em evidências, garantindo que as decisões fossem técnicas. Reduziram os limites de velocidade para 30 km/h, adotaram fiscalização ostensiva e realizaram campanhas de comunicação de massa para que as pessoas compreendessem tanto os problemas quanto as soluções adotadas.
Mais do que isso, essas cidades priorizaram também o investimento em mudanças contundentes de desenho viário e obras de moderação de tráfego, levando a velocidades naturalmente baixas. Este é o caminho que São Paulo deve trilhar para se manter relevante. Só quando as ruas forem de fato seguras —para pedestres, ciclistas e motociclistas— é que poderemos pensar em um serviço de passageiros em motocicletas. Nenhuma morte no trânsito é aceitável.
Diogo Lemos
Coordenador-executivo da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global
Flavio Soares
Gerente de projetos pela Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo
Rafael Calabria
Coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)
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