Ciclocidade participa da revisão do Plano Diretor e entrega documento com avaliação
No final de abril, a Prefeitura de São Paulo iniciou o processo de revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade, convocando a sociedade para uma primeira etapa composta de debates e atividades de avaliação do atual plano (em vigor desde 2002).
A Ciclocidade participou de todas as atividades realizadas até agora e, durante a audiência sobre Mobilidade Urbana, realizada no último dia 07/05, protocolou um primeiro documento de avaliação do PDE de 2002. (leia a carta ao final do texto).
A associação avalia que a mobilidade por bicicletas, assim como a de pedestres, não foi contemplada no PDE de 2002, o que trouxe graves consequências à cidade. Além disso, outros instrumentos urbanos, como os Planos Regionais Estratégicos (que previam 367km de infraestrutura cicloviária até 2012) e a Lei de Uso e Ocupação do Solo também falharam na inclusão dos modos ativos de transporte e na melhoria das condições de mobilidade.
Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, responsável pela revisão do PDE, a etapa atual prevê a avaliação do plano em vigor. O Plano Diretor é a lei municipal que orienta o desenvolvimento da cidade e deve estar integrado a outros instrumentos urbanos, como a Lei de Uso e Ocupação do Solo, os Planos Regionais Estratégicos e o Plano de Mobillidade.
Além da atividade específica sobre Mobilidade Urbana, integrantes da equipe de Participação da Ciclocidade levaram a discussão sobre a mobilidade por bicicletas para as demais audiências realizadas até agora. A associação também está discutindo o assunto através de um Grupo de Trabalho formado na Frente Parlamentar de Mobilidade Humana da Câmara Municipal.
As atividades de avaliação do PDE continuam até o final de maio. Em seguida serão realizadas audiências para levantamento de propostas nas 31 subprefeituras.
Confira o calendário aqui e veja mais informações, vídeos e documentos sobre o processo no site http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br
+ Planos Regionais Estratégicos (2004)
+ A bicicleta nos planos regionais estratégicos 2004
+ Proposta de revisão do PDE em 2009 (não aprovada)
+ Proposta de Plano de Circulação e Transportes 2004 (não aprovada)
+ A bicicleta no Plano de Circulação e Transportes de 2004 (plano não aprovado)
+ Relatório do GT Bicicletas (2005)
+ Vídeo integral da audiência de avaliação do PDE sobre mobilidade urbana
Documento protocolado pela Ciclocidade em 07/05/2013, durante a audiência de Mobilidade Urbana do processo de avaliação e revisão do Plano Diretor Estratégico:
São Paulo, 07 de Maio de 2013
Plano Diretor Estratégico e as políticas de mobilidade urbana
O Plano Diretor Estratégico (PDE) possui uma ligação direta com as políticas públicas de mobilidade, podendo incidir diretamente na forma como cidadãos e cidadãs realizam seus deslocamentos diários A visão expressa no PDE aprovado em 2002, no entanto, é omissa em relação às formas de transporte ativo ou não-motorizado (bicicletas e pedestres), deixando de estabelecer diretrizes, instrumentos e políticas para estas formas de deslocamento.
Ainda que trate conceitualmente da uma distribuição mais equitativa dos espaços de moradia, oportunidades e equipamentos públicos, aproximando-se da ideia contemporânea de Mobilidade Urbana, o PDE de 2002 mantem a lógica rodoviarista da divisão entre Transporte (os ônibus) e Trânsito (os automóveis e motos). Os resultados são visíveis e catastróficos:congestionamentos, mortes no trânsito, poluição sonora e do ar, degradação da qualidade de vida, abandono do espaço público, etc.
O conceito de Mobilidade Urbana é uma construção relativamente recente, que reorienta o olhar para as políticas públicas do ponto de vista dos deslocamentos de pessoas, da distribuição de bens no espaço das cidades e da criação de proximidades em vez da superação de distâncias.
É somente em 2007, com o Plano Nacional de Mobilidade Urbana (PlanMob), construído pelo Ministério das Cidades, que esse conceito ganha maior institucionalidade. Um marco importante é a promulgação da Lei Federal nº 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana, tendo como diretriz a “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado” (Artigo 6º).
A cidade de São Paulo também conta com duas leis que versam sobre a mobilidade e o uso de bicicletas: A Lei Municipal nº 14.933/2009, que Institui a Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo e a Lei Municipal nº 14.266/2007, que prevê um Sistema Cicloviário no Município de São Paulo. Considerando o fato de que todas essas leis e iniciativas de fazer políticas públicas a partir da concepção de mobilidade são posteriores ao Plano Diretor de 2002 e que o uso da bicicleta como modal de transporte nas grandes cidades tinha pouquíssima visibilidade, não espanta a ausência de qualquer menção ao uso de bicicletas no texto e o uso eventual e secundário da palavra “mobilidade”. No entanto esses aspectos precisam ser corrigidos no processo de revisão do PDE.
O Capítulo II apresenta os princípios e objetivos gerais do PDE, onde consta o princípio “universalização da mobilidade e acessibilidade” (art. 7º). Já na parte específica em que versa sobre a questão, o texto utiliza o termo “Da circulação viária e transportes”. Essa Subsessão possui 3 artigos e 45 itens, nos quais claramente se vê o esforço de priorização dos transportes coletivos, mas não se percebe o interesse de constituir políticas públicas para os transportes ativos.
É importante fazer notar também que houve uma iniciativa (posterior ao Plano Diretor Estratégico de 2002) de elaboração de um “Plano Municipal de Circulação Viária e de Transportes”, que, por sua vez, contém um conjunto de proposições com a finalidade de inserir na cidade o modal bicicleta, incluindo um item específico “Circulação de bicicletas”. Infelizmente, esse instrumento não foi aprovado.
Avaliação de resultados:
Segundo estudo do Banco Mundial, entre 2003 e 2011 houve aumento da emissão de CO2 causada sobretudo pelo aumento da frota veículos motorizados, passando de 15,738 milhões de toneladas em 2003 para 16,430 milhões em 2011. Desse modo, não foi atingida a meta prevista no artigo 5º da Lei 14.933 supracitada, de redução de 30% dos valores de CO2 entre 2005 e 2012. Uma nova meta já deveria estar definida desde 2010.
A frota de motorizados aumentou de 4.382.907 veículos para mais de 7 milhões no mesmo período segundo o Departamento Nacional de Trânsito (DETRAN), o que corresponde a cerca de seis vezes o crescimento populacional. As projeções da própria Prefeitura indicam que esse número deve ultrapassar os 8 milhões até 2014.
Dados da CET mostram que nos últimos anos a média de congestionamentos diários nas vias paulistanas é de cerca de 118km nos horários de pico. Segundo estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas em 2008, essa imobilidade resulta em um prejuízo anual de R$ 34 bilhões para a economia da cidade.
No período 2002 a 2012 (coincidente com a vigência do PDE atual) mais de 15 mil pessoas morreram no trânsito, segundo dados da CET. Esses dados evidenciam que a opção pelos motorizados resultou na manutenção de uma letalidade altíssima no trânsito paulistano, já que o comparativo demonstra uma relativa estabilidade com tendência de queda quase inexpressiva (os números de 2012, 1.231 mortes, quase repetem as 1.266 mortes de 2003, por exemplo).
Tais números indicam de forma contundente que as ações públicas desde o PDE de 2002 não conseguiram modificar a qualidade da mobilidade na cidade, mantendo um alto uso do transporte motorizado individual. A infraestrutura específica para bicicletas cresceu pouco, embora a Pesquisa Origem-Destino do Metrô tenha apontado um aumento de viagens de bicicleta de 187% entre 1997 e 2007. Alguns problemas crônicos permanecem sem solução, como a travessia de pontes e viadutos. A destinação orçamentária tem sido extremamente desigual, com valores aplicados no uso da bicicleta cerca de 20 vezes inferiores a sua participação nas viagens diárias (tomando por base a pesquisa OD do Metrô de 2007 e os valores empenhados pela Prefeitura no ano de 2011, disponíveis no site da Câmara Municipal de São Paulo). Há um conjunto de vias e rodovias implantadas na região metropolitana que não prevêm estrutura cicloviária como previsto na Lei Estadual Nº 10.095 e na Lei Municipal nº 14266
Adaptação às novas leis:
Considerando as leis aqui citadas há um conjunto de normas e conceitos que precisarãos ser incorporadas na revisão do PDE de 2002.
Considerando a Lei que institui uma Politica Nacional de Mobilidade, no seu artigo 5º consta como princípio a “ equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros”. No seu artigo 6º constam diretrizes que definem “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados(…)”; “integração entre os modos e serviços de transporte urbano” e a “mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade”.
A Lei define a necessidade da participação da sociedade civil na construção das políticas (planejamento, fiscalização e avaliação), com a criação de órgãos colegiados, de ouvidorias e a realização de audiências e consultas públicas, além de melhoria na qualidade da comunicação com a população. Há também um conjunto de propostas que visam desestimular o uso de motorizados, como a aplicação de restrições de horários e de tributos específicos. Por fim essa lei determina a elaboração, por municípios com população acima de 20 mil habitantes, de um Plano de Mobilidade Urbana compatível e integrado ao plano diretor.
Na Lei nº 14.933 está previsto o “estímulo ao transporte não-motorizado, com ênfase na implementação de infra-estrutura e medidas operacionais para o uso da bicicleta, valorizando a articulação entre modais de transporte”.
A lei nº 14.266 que implanta um Sistema Cicloviário prevê, no seu artigo 3º “articular o transporte por bicicleta com o Sistema Integrado de Transporte de Passageiros – SITP” e “implementar infra-estrutura para o trânsito de bicicletas e introduzir critérios de planejamento para implantação de ciclovias ou ciclofaixas nos trechos de rodovias em zonas urbanizadas, nas vias públicas, nos terrenos marginais às linhas férreas, nas margens de cursos d’água, nos parques e em outros espaços naturais”. No seu Art. 11 diz que “As novas vias públicas, incluindo pontes, viadutos e túneis, devem prever espaços destinados ao acesso e circulação de bicicletas, em conformidade com os estudos de viabilidade”, o que não parece ter sido respeitado desde então. A lei ainda prevê a realização de campanhas educativas visando o compartilhamento do espaço entre os modais e a instalação de paraciclos e bicicletários em imóveis públicos e privados e destes últimos “em um raio de 100 (cem) metros dos terminais e estações de metrô, trens metropolitanos e corredores de ônibus metropolitanos, dando prioridade às estações localizadas nos cruzamentos com vias estruturais.
Importante lembrar que existe um projeto de lei (nº 561/2005) tramitando na Câmara Municipal, que prevê a destinação de 10% do Fundo Municipal do Desenvolvimento do Trânsito (FMDT) para a aplicação dos termos desta Lei.
Aspectos a serem revistos no PDE:
1. As políticas dirigidas ao uso de bicicletas tem, via de regra, buscado garantir a segurança de ciclista a partir da ideia de segregação, criando estruturas específicas de uso da bicicleta que seriam as “vias cicláveis”. No entanto, o princípio que deve nortear as políticas de mobilidade, como previsto no Código de Trânsito Brasileiro, é o de que toda via é ciclável, o que precisa estar explicitado no novo PDE. Deve-se, portanto, tratar espaços exclusivos de bicicletas e espaços não-cicláveis como exceções e não como regra.
2. A revisão do PDE deve adequá-lo à Lei Nacional de Mobilidade Urbana e leis municipais, inserindo em suas diretrizes os modais não motorizados e pedestres como prioritários, junto do transporte coletivo. Uma atualização conceitual e de nomeclaturas é desejável: de “Plano de Circulação e Transportes” para “Plano de Mobilidade”, incorporando conceitos da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
3. Incluir medidas de acalmamento de tráfico com adoção do limite de velocidade de 50km/h em avenidas, ampliação das “zonas 30km/h” dentro dos bairros e instalação de dispositivos como rotatórias, faixas de pedestre elevadas, sinalização horizontal e outros recursos técnicos para promover a priorização de não motorizados, em especial da valorização de pedestres.
4. Desestimular o uso do automóvel, aumentando as restrições de circulação e estacionamento em via pública, ampliando calçadas e calçadões e dando prioridade absoluta nos investimentos públicos ao transporte coletivo e à mobilidade de pedestres e ciclistas.
5. Garantir a travessia segura de pedestres e ciclistas em todas as pontes dos rios, especialmente Pinheiros e Tietê, e nas suas alças de acesso, com a construção de calçadas, faixas de pedestres e ciclovias ou de espaços específicos para esses modais.
6. Vincular estruturas cicláveis e de uso de bicicletas aos terminais de transportes coletivos, favorecendo o acesso pelas vias próximas (num raio de até 7 km), dentro dos espaços (incluindo estacionamento de curta, média e longa duração) e dentro dos modais de transporte coletivo. Horários e condições de uso devem favorecer o ciclista e a integração entre os modais.
7. Criar instrumentos para viabilizar, do ponto de vista orçamentário, o desenvolvimento das políticas dirigidas ao uso de bicicletas, considerando o cumprimento das diretrizes do Plano Nacional de Mobilidade Urbana e do Sistema Cicloviário do Município de São Paulo. No Capítulo II (Uso e Ocupação do Solo), “Secão VIII – Fundo de Desenvolvimento Urbano”, fala-se da aplicação dos recursos do FUNDURB em transporte coletivo, mas não há menção ao incentivo de outros modais. Ainda pode ser incluído a vinculação do Fundo Municipal do Desenvolvimento do Trânsito (FMDT) à bicicleta, como previsto no PL supracitado e/ou do Fundo Especial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – FEMA.