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Nota de repúdio – O Conselho Municipal de Trânsito e Transportes e a paridade de gênero

Nós, cidadãs, cidadãos e entidades da sociedade civil, deixamos registrado por meio desta nota nosso repúdio em relação aos ocorridos na 17ª reunião do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte (CMTT). Em 3 de março de 2016, o CMTT perdeu uma oportunidade histórica de debater com qualidade propostas de reformulação da sua composição e aplicar o mecanismo de paridade de gênero no conselho. No lugar de criar espaços legítimos e qualificados para as mulheres participarem das discussões e decisões sobre a mobilidade urbana de São Paulo, o conselho foi inchado com cadeiras suplementares que servirão apenas para colocar nominalmente mulheres que não necessariamente representarão de fato suas entidades.

Com efeito, o decreto 56.021/2015, que regulamenta a lei municipal 15.946/2013, institui o mínimo de 50% de representação das mulheres nos conselhos municipais de controle social, incluindo o CMTT.

O CMTT tem uma composição tripartite, com representantes do poder público, dos operadores de transporte e dos usuários de transporte (a sociedade civil). Assim, de acordo com as regras de paridade de gênero, cada um desses segmentos deve ter uma representação de pelo menos metade de mulheres.

Com a formação que o CMTT tem hoje, essa aplicação exigiria dos candidatos e candidatas da sociedade civil uma maior organização para conseguir obter 50% de candidaturas femininas para as cadeiras regionais e temáticas. As outras partes do Conselho – poder público e operadores de transporte – não precisam se submeter ao pleito, pois seus representantes são escolhidos por indicação, o que facilitaria o cumprimento da cota. Tanto os órgãos e empresas públicas como as entidades e sindicatos de operadores apenas precisariam indicar mulheres como representantes até que fossem alcançadas as metas de 50% em cada uma das partes.

Aplaudimos essa novidade – que é um grande avanço social – quando ela foi apresentada, numa reunião em 19 de fevereiro, a mulheres de organizações da sociedade civil ligadas à mobilidade urbana. Durante essa reunião e em documento entregue posteriormente, enfatizamos que a paridade de gênero não só era bem-vinda, como sua aplicação não traria dificuldades para o grupo de usuárias e usuários, uma vez que grande parte das entidades da sociedade civil conta com elevada participação feminina. Entretanto, foi sugerido pela executiva do CMTT que “talvez fosse necessário” duplicar as cadeiras do CMTT, em resposta a uma suposta dificuldade em indicar mulheres no segmento de operadores, historicamente dominado por homens. Esse posicionamento foi interpelado de forma unânime pelas mulheres presentes por ir contra o principal objetivo do mecanismo de paridade: levar entidades que não estão acostumadas a ter figuras femininas em cargos de direção a se fazerem representadas – de modo genuíno – por mulheres.

A duplicação de cadeiras, assim, mostra-se como uma solução simplista para amenizar conflitos internos eventualmente induzidos por essa nova exigência legal e social. Entendemos que se as entidades podem indicar um titular homem e uma titular mulher para representá-las, as mulheres dessas organizações continuariam como “acessórios de representação”, e não como representantes de facto em um setor tradicionalmente ocupado por uma maioria masculina.

Outrossim, essa duplicação de cadeiras do CMTT pode ter o efeito inverso na representatividade. As reuniões poderiam ficar ainda mais vazias do que já são hoje (até porque nenhum titular perdeu sua cadeira por ausência nos últimos dois anos), tendo em vista que algumas das representantes possivelmente seriam vistas como “dispensáveis” pelas próprias entidades representadas – para quê levar dois representantes para uma reunião, se apenas um pode passar o recado? A questão é que a sociedade civil é eleita para representar a sociedade como um todo, e a pluralidade é parte disso. No entanto, os operadores de trânsito representam suas entidades profissionais – são delegados defendendo interesses institucionais. Assim, se há necessidade de ampliação de cadeiras é para que mais setores sejam representados, e não para que uma entidade tenha dois representantes para defender a mesma agenda.

A própria Secretaria Municipal de Política para as Mulheres (SMPM) manifestou que a duplicação das cadeiras não teria fundamento se o seu objetivo fosse apenas o de facilitar a aplicação do decreto de paridade de gênero, conforme apresentado pelo CMTT na sua 17ª reunião.

Isso tudo sem levar em conta que um inchaço de cadeiras em um conselho que se reúne bimestralmente inviabiliza um espaço de debates e de construção de uma visão para a política municipal de mobilidade. Com 96 cadeiras, se hipoteticamente cada conselheiro falasse pelos 3 minutos normalmente disponibilizados, seriam necessárias quase 5 horas de reunião só para ouvir um ao outro, sem possibilidade de debate.

É lamentável que uma iniciativa que tinha tudo para ser louvável, no sentido de corrigir desequilíbrios históricos entre gêneros, dando uma oportunidade para mulheres debaterem e decidirem sobre as políticas públicas que influenciam diretamente suas vidas e a vida de milhões de outras nossas, tenha sido conduzida da maneira como foi.

As consequências da decisão apressada e do abafamento da nossa argumentação em detrimento do “apoio institucional” à proposta que desvirtua a composição do conselho e não contribui para o empoderamento das mulheres nesse espaço de controle social, infelizmente, aparecerão na perpetuação desse desequilíbrio.

Entendemos que não é possível corrigir injustiças históricas e seus desdobramentos – como a falta de representatividade em espaços políticos – sem conflitos e sem esforços de ambos os lados. Uma sociedade igualitária NÃO será possível se homens não estiverem dispostos a abrir mãos dos seus privilégios – inclusive confiando a uma mulher a responsabilidade de representar uma entidade. Entendemos que a duplicação das cadeiras, claramente com vistas a “facilitar” que se atinja a meta de paridade de gêneros, não provoca nenhuma entidade a trocar sua representação tradicionalmente masculina por uma representação “inovadoramente” feminina.

Registramos aqui nosso repúdio à condução dessa decisão e solicitamos:

A revogação das deliberações da 17a reunião e a promoção de novos debates com regras claras para deliberação.
A oportunidade de apresentar uma terceira proposta para apreciação dos conselheiros e conselheiras, que atenda não apenas à questão da paridade de gênero, mas também à ampliação das cadeiras de representação, que foi a demanda surgida durantes os debates.

 

Respeitosamente,

Conselheiros e conselheiras
Bárbara de Oliveira Lopes – Centro
Élio Jovart – Zona Oeste
João Victor Pavesi de Oliveira – Zona Oeste
Carlos Afonso Cerqueira Aranha – CPMU
Odir Züge – Bicicleta
Renato Mancini Astray – Conselheiro Participativo Municipal, Subprefeitura do Butantã
Marcia Sandoval Gregori – Arquiteta e Urbanista, ex-Conselheira Participativa Municipal da subprefeitura do Butantã
Fabiana Vieira Bento, Internacionalista e ativista da mobilidade a pé

Entidades e coletivos
#OcupaCMTT
APĒ – estudos em mobilidade
Ciclocidade – Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo
Bike Anjo
Cidade Ativa
Cidadeapé
Corridaamiga
Sampapé
GT Mobilidade – Rede Butantã
Red OCARA São Paulo
GT Gênero da Ciclocidade
Instituto Mobilidade Verde
Milalá, a liberdade de ir e vir
oGangorra
São Paulo para o Pedestre!
Pé de Igualdade
Coletivo Arrua
UCB – União dos Ciclistas do Brasil
Engajamundo
Artemis
Rede Nossa São Paulo
Fórum Regional de Mulheres da Zona Oeste

 

Entenda o que aconteceu na 17ª reunião do CMTT

Comparecemos à 17ª reunião do CMTT na esperança de expor nossos argumentos e contribuir para um debate qualificado – em um espaço cujo tema nunca foi muito receptivo à participação feminina: a atual composição do conselho conta com menos de 25% de mulheres (ver tabela abaixo). Outra expectativa que tínhamos era a de ouvir, na voz dos próprios conselheiros e conselheiras, a opinião de operadores quanto à imposição de indicar mulheres como representantes e a reivindicação de representantes da sociedade civil pela ampliação dessas cadeiras. No entanto, não registramos nenhuma das duas colocações, até que a executiva do CMTT, na mesa, sugeriu, mais de uma vez, que os operadores teriam dificuldades em indicar mulheres e que seria mais democrático duplicar as cadeiras – alegação esta que não havia sido colocada por nenhum representante ou conselheiro do setor de operadores em momento algum da reunião.

As sugestões levantadas pela executiva do CMTT colocam em xeque a afirmação de que a duplicação de cadeiras do conselheiro serviria para atender à necessidade de ampliação de cadeiras, e não como ferramenta “simplificadora” e superficial da paridade de gênero.

A duplicação das cadeiras foi citada por representantes da sociedade civil como possibilidade para aumentar a participação de grandes regiões da cidade com as Zonas Lestes e Sul, que se sentem sub-representadas com apenas uma cadeira no Conselho. Com isso, esses representantes propuseram uma terceira opção para a reestruturação do CMTT, para que fosse estudada pela Executiva: a criação de mais algumas cadeiras regionais, acompanhada por mais cadeiras em cada segmento do conselho. Dessa forma, a ampliação do espaço de participação estaria garantida e o princípio da paridade de gêneros seria atingido, sem os efeitos negativos da duplicação já apresentados nesta nota.

Quando já passava de meio-dia, ou seja, uma hora além do previsto para o encerramento, decidiu-se votar qual das duas propostas seria acolhida. A votação, no entanto, não estava prevista na pauta enviada com o convite ou na ordem do dia da reunião, que indicava tão somente apresentação das propostas, debates dos conselheiros e encaminhamentos. Além disso, o plenário já estava esvaziado devido ao horário avançado e, entre sua maioria, estavam os representantes dos operadores – a essa hora já convencidos de que a segunda proposta seria a “mais democrática” e, principalmente, mais fácil para eles. Vale ressaltar que o conselho contava naquele momento com menos de e 50% de seus membros, e menos de quatro mulheres participaram da “deliberação”.

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