Nota Pública: Porque é injusto multar pedestres e ciclistas
Na lógica invertida da nova resolução do Contran, estes pedestres que
frequentam a Ladeira Porto Geral, em São Paulo, não seriam pessoas
reocupando um espaço público – seriam infratores que deveriam ser multados.
As organizações abaixo assinadas vêm se posicionar absolutamente contrárias à Resolução 706/2017 do Contran, que padroniza a aplicação de autos de infrações a pedestres e ciclistas que cometerem infrações previstas nos já incorretos e criticados artigos 254 e 255 do Código de Trânsito Brasileiro.
Multas são ferramentas importantes para promover o respeito à sinalização e à regulamentação de trânsito, o que é necessário para garantir a segurança de todas as cidadãs e cidadãos. Para tanto, é essencial que a sinalização esteja adequada às necessidades mínimas do trânsito de veículos e pessoas, além de suficientemente clara para sua correta interpretação por quem as vê, sejam estes condutores, seja quem faz uso dos modos ativos de deslocamento – também conhecidos como não-motorizados.
O espaço de circulação das nossas cidades, no entanto, priorizou historicamente a fluidez de veículos motorizados individuais. A largura das ruas, a configuração dos cruzamentos, até os tempos dos semáforos foram planejados a partir da lógica desses veículos. Tal lógica se reflete recorrentemente na redução de calçadas, na falta ou na localização inadequada de faixas de pedestres, na construção de vias de trânsito rápido dentro do perímetro urbano e no atraso marcante no avanço de infraestrutura cicloviária, por exemplo.
Com isso, as pessoas que se deslocam a pé ou de bicicleta são colocadas constantemente em situações de insegurança ao transitarem pelas ruas das cidades brasileiras. Por outro lado, quando um motorista viola ou ignora uma sinalização, ele está infringindo uma sinalização e infraestrutura construída especificamente para ele.
Pedestres e ciclistas são os atores mais vulneráveis do sistema de circulação e, seguindo esta premissa, a Política Nacional de Mobilidade Urbana expressa em seu artigo 6º que devem ter prioridade no trânsito. Para retirá-los de situações de insegurança, que contribuem para elevar o índice de mortes ligadas ao trânsito brasileiro, é necessário criar infraestrutura de forma sistêmica e em rede, respeitando a lógica do deslocamento dos usuários mais vulneráveis do sistema, permitindo a circulação destes na cidade com liberdade e segurança.
Dados de contagens de ciclistas realizadas em algumas capitais brasileiras confirmam esta afirmação, ao apontar que, após a implantação de ciclovias e ciclofaixas, o número de ciclistas pedalando na contramão e na calçada diminui bastante (1, 2, 3). Portanto, a aplicação de multas a pedestres e ciclistas não se apresenta como uma solução efetiva para resolver os problemas de mobilidade urbana e da convivência nas ruas. Para tal o espaço urbano precisa ser readequado, repensado, redesenhado através de intervenções físicas, de modo a promover uma maior equidade e justiça sócio-espacial. O comportamento das pessoas está diretamente ligado às condições do espaço que lhes é oferecido.
Frente à precariedade que se observa no espaço público dedicado à pedestres e ciclistas, e a todos aqueles que se movem pela cidade de forma ativa, não é justo cobrar que pedestres e ciclistas se adequem e utilizem infraestruturas que não respeitam suas necessidades e suas lógicas de deslocamento. Enquanto se discute penalizar os elementos mais frágeis do sistema de mobilidade, as cidades seguem carentes de faixas de pedestres, ciclovias e dispositivos de acalmamento de tráfego. Entendemos que tal decisão do Contran é injusta e aumentará a desigualdade entre os atores do trânsito, além de desestimular o pedalar e o caminhar como desejáveis modos de deslocamento urbano, sendo antagônica à Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Assinam, conjuntamente:
ABC – Associação Blumenauense pró-Ciclovias – SC
ACIG – Associação dos Ciclistas da Ilha do Governador
ACIRN – Associação de Ciclistas do Rio Grande do Norte
Ameciclo – Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife
Andar a pé: o movimento da gente – Brasília DF
A Pezito – Porto Alegre RS
Apta – Amazônia Pelo Transporte Ativo
Associação Regional de Mobilidade Ativa Ciclovias – Sul Fluminense RJ
Bicicleta na Rua
Biciponto – Porto Alegre
BH em Ciclo – Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte
Bike Anjo
Brasília para Pessoas
Ciclanas – Mulheres de Bicicleta no Trânsito de Fortaleza
Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo
Cicloiguaçu – Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu
Ciclomobi – Coletivo de Ciclistas Urbanos de Maceió
Ciclomobilidade Pará
Ciclonoroeste – Maringá PR
Ciclovida – Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza
Cidade Ativa – São Paulo SP
Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo
Coletivo Cidade Mais Humana – Porto Alegre RS
Coletivo de Ciclistas de SJC – São José dos Campos SP
Coletivo Pará Ciclo – PA
Comissão de Ciclistas do Amazonas – AM
Corrida Amiga – São Paulo SP
Desvelocidades.red – Belo Horizonte MG
Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos – Brasília DF
Instituto CicloBR de Fomento à Mobilidade Sustentável
Instituto MDT – Brasília DF
ITDP Brasil – Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento
Mobicidade – Associação Pela Mobilidade Urbana em Bicicleta – Porto Alegre RS
Mobicidade Salvador – Coletivo de Ciclistas Urbanos de Salvador
Mobilidade JF – Juiz de Fora MG
MobiRio
Pedala Manaus
Rede Brasileira de Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis
Rodas da Paz – Brasília DF
SampaPé
UCB – União de Ciclistas do Brasil