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Nota sobre as mudanças propostas pela gestão Doria de restringir o acesso de pessoas ao Minhocão

Minhocão - Por Minhocao.org

Bloquear o acesso de pessoas a uma via pública gera esvaziamento e degradação do espaço. Não se pode permitir que haja retrocessos à sua destituição como estrutura viária.

Uma nota publicada na quarta-feira (8/3), pela jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, revela que a Prefeitura de São Paulo tem a intenção de alterar as regras de usos do Minhocão, restringindo sua utilização espontânea por pessoas.

A proposta, segundo apuração da colunista, seria abrir o Elevado para as pessoas apenas aos sábados (das 15h30 às 19h) e aos domingos (das 10h às 16h), tempo bem inferior ao atual — das 21h30 às 6h30 nos dias úteis e das 15h do sábado até as 6h30 da segunda-feira. A área aberta permitida às pessoas também seria menor: 1,5 km dos 3,5 km da via. O Minhocão, ainda, ganharia gradis nas laterais e portões nos acessos.

Em 1976, o Minhocão passou a ser interditado para o fluxo motorizado durante a noite. Em 1989, a gestão da então prefeita Luiza Erundina estendeu o horário de interdição do trânsito na via para todos os dias úteis das 21h30 às 5h e domingos e feriados durante as 24h, incentivando o uso do espaço pelas pessoas. Em 1996, o então Prefeito Paulo Maluf — o mesmo que construiu e inaugurou o Minhocão — sancionou uma lei que consolidou estes horários de funcionamento do Elevado.

Finalmente, em 2014, o Plano Diretor Estratégico (PDE) consagra o fim do Elevado obrigando a Prefeitura a implementar sua gradual desativação como viário em até 15 anos — tempo de vigência do PDE. Em Julho de 2015 a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad ampliou o horário de abertura do Minhocão às pessoas aos sábados, antecipando para as 15h.

Desde a década de 1990, como vimos, a obra rodoviarista de 3,5 quilômetros é também utilizada pela população como uma área para a prática de caminhada e outras atividades físicas e relaxamento, tal como a Av. Paulista, em pleno centro de São Paulo — conhecido por ter justamente uma das piores taxas de amplas áreas públicas por habitante em toda a cidade.

Seja demolindo ou criando um parque elevado, debate que deve ser feito ao longo dos próximos anos, ou promovendo a discussão necessária sobre a regulamentação de eventos no local, o que não se pode permitir é que haja retrocessos no sentido oposto à sua destituição como estrutura viária — algo já pactuado com a sociedade e ratificado em inúmeros dispositivos legais.

O fechamento de espaços públicos tem sido utilizado com frequência na história da cidade e só tem como resultado a degradação destes espaços. Não à toa a ocupação de diversos espaços, com diversidade de usos e públicos, tem sido uma política com resultados efetivos para reumanizar espaços antes desertificados e degradados.

Não obstante o uso espontâneo já conquistado e consolidado pelas pessoas, simplesmente proibir o acesso de pessoas ao Elevado — e sem sequer dialogar com a sociedade e cumprir qualquer rito necessário de participação social, como audiências que foram realizadas para a discussão da destinação da estrutura, para implementar tal medida — representaria um enorme retrocesso para a cidade, além de desnecessário para o trânsito.

Ainda, o que faz com que o Minhocão seja uma ferida aberta e latejante na cidade não são as pessoas que espontaneamente o ocupam para caminhar, passear, andar de skate, bicicleta, com seus cachorros; é o seu uso como viário de passagem, por onde passam aproximadamente 70 mil automóveis por dia, que desde 1971 vem degradando a vida de quem não só mora nos edifícios lindeiros e nas redondezas, causando estresse, surdez e até demência, mas da cidade que tem tamanha ferida em seu centro.

A proposta de instalar gradis igualmente nos causa estranhamento. Primeiro porque o Corpo de Bombeiros apenas indica a utilização de gradis de 1,30m em caso de eventos organizados — e o que está em discussão aqui é o acesso de pessoas ao local e uso espontâneo, e não a organização circunstancial de eventos no elevado.

A intenção da Prefeitura de restringir arbitrariamente a circulação de pessoas no Minhocão em determinados horários, aparentemente acordada com um promotor do MPE-SP, parte de uma premissa equivocada e deve ser imediatamente rejeitada pela administração. Como é amplamente conhecido, promover o uso de espaços públicos da cidade, como manifestado por esta administração, resulta em oportunidades de convivência, gerando segurança e estimulando práticas mais saudáveis, que previnem doenças – oriundas do sedentarismo e do isolamento social. O uso do Minhocão como espaço aberto à mobilidade ativa tem se mostrado uma medida muito bem sucedida de modo que, seja qual for a destinação da estrutura, essa iniciativa deve ser replicada, debatida com a sociedade e não combatida, seja pela gestão executiva da cidade ou pelo judiciário.

Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo

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