Ciclovia vira ‘corredor’ para carroceiro na região central de São Paulo
GIBA BERGAMIM JR.
DE SÃO PAULO
As buzinas começam a soar simultaneamente quando o trânsito trava na av. Duque de Caxias, centro. Puxando uma carroça lotada de sucata, o catador Edmilson Vieira da Silva, 42, ultrapassa os veículos parados com agilidade.
Nem precisou invadir a calçada. Usou parte dos 214 km de ciclovias instaladas em São Paulo desde o ano passado, sem perder tempo no rush e evitando acidentes.
É só dar uma volta pelo centro para se deparar com carroças abarrotadas de papelão, madeira e metais dividindo espaço com bicicletas.
Liberadas pelo prefeito Fernando Haddad (PT) para patins, patinetes, cadeiras de rodas, quadriciclos e até veículos elétricos, as ciclovias não contemplam carroças.
A exclusão inspirou um artista a estimular a “ocupação” das ciclovias pelos carroceiros, com aval de cicloativistas.
Em vias do centro e da zona oeste, ao lado dos desenhos oficiais de uma bicicleta, o grafiteiro Thiago Mundano e colegas adicionaram a imagem de um catador sorridente e a inscrição “#reciclovia”.
O artista, mesmo idealizador do trabalho que deu cores a veículos de catadores, iniciou uma campanha pela liberação das carroças. Entregou o pedido a Haddad à presidente Dilma Rousseff (PT).
Embora a prefeitura tenha cadastro de cerca de mil catadores, estimativas de associações indicam haver 15 mil.
A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) diz que não há regulamentação nacional para a situação dos carroceiros e que, por isso, os orienta sem fiscalizá-los. Sobre os grafites, diz que vai apagá-los.
Assim como Mundado, o cicloativista Daniel Guth, da Ciclocidade, é favorável aos carroceiros. “Eles já são invisíveis aos olhos da lei, como profissão e como veículo. As ciclovias viraram um espaço perfeito para eles.”
‘TIME IS MONEY’
O catador Tadeu Silva, 52, defende a lógica do “tempo é dinheiro” para usar a ciclovia. “Se a gente fica parado no trânsito, pega pouco material no fim do dia, e ganha menos.”
Tadeu diz nunca ter se deparado com críticas de ciclistas. “Nada, quando eles se aproximam, a gente já joga para o canto para eles ultrapassarem”, disse.
Garimpador de recicláveis há 14 anos, Edmilson Vieira diz, porém, que já foi alvo de queixas. “Mas a gente vai ficar andando no meio dos carros? É muito mais perigoso”, diz.
“Ciclovia tem de ajudar quem trabalha. É bem mais seguro para o catador ali do que no meio da rua”, afirmou Guilherme Alves, 17, instalador de películas de carros, que usa apenas as ciclovias para se locomover.