Boletim Sistemas Seguros #6 – outubro/2024

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Chacina em curso. Só no Recife?

Uma onda de mortes de ciclistas nas últimas semanas ganhou a atenção das organizações e coletivos ligados à mobilidade ativa no Brasil. Inicialmente, foram três em apenas oito dias, todos na capital pernambucana. Houve uma quarta vítima em uma estrada estadual na Região Metropolitana do Recife (JC). A quinta aconteceu novamente dentro da capital: um ciclista foi atropelado por um motorista de ônibus e já estava sem vida quando a ambulância chegou. (JC)

A prefeitura do Recife publicou um comunicado oficial, no qual apresentou apenas dados sobre o crescimento da malha cicloviária e sobre um suposto avanço na implantação de políticas públicas de segurança viária para ciclistas (JC). Em resposta, a Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) divulgou uma nota de repúdio, avaliando que a prefeitura “procura se esquivar de sua responsabilidade ora enaltecendo seus feitos, ora jogando a culpa para o governo do Estado”. A entidade destaca um aumento de 116,5% na violência viária nos cinco primeiros meses do ano, na comparação com 2022. (JC)

Em tempo: a foto que abre esta edição do boletim é de um dos atos da Ameciclo exigindo providências das autoridades.

Não são só ciclistas. Em apenas um final de semana, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) da Região Metropolitana do Recife prestou 163 atendimentos a sinistros envolvendo motociclistas. “Estamos vivendo um crescimento exponencial este ano, em meio a uma série histórica que já chama atenção.” O alerta é do médico Leonardo Gomes, diretor-geral do SAMU regional. “Isso é o que mais assusta e mostra a fragilidade da condução de motocicletas. E é preciso considerar, ainda, que 50% desses casos evoluem para óbitos depois do atendimento hospitalar.” (JC)

Em meio a esses fatos, a capital pernambucana foi autorizada pela Senatran a implementar, em caráter de teste, uma motofaixa de 1,6 km de extensão em uma grande avenida da cidade. A medida desperta preocupações, pois a faixa dedicada pode estimular o excesso de velocidade entre as motos e servir como incentivo à escolha desse modal. Dados divulgados pela autarquia de trânsito local mostram um aumento superior a 19% no número de mortos no trânsito de 2022 para 2021 e que 72% dos sinistros envolvem ocupantes de motos. (JC)

Motocicletas como fator de risco

Motociclistas entregadores entendem que as pressões por produtividade por parte dos aplicativos comprometem sua segurança: 50,2% afirmaram que isso acontece com frequência e outros 40,3% disseram que isso acontece às vezes. Os dados são de uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). Ainda que 73% deles tenham assumido que desrespeitam as leis de trânsito, muitos apontam, entre as medidas que poderiam melhorar a situação, aumento da fiscalização no trânsito (63,1%) e limites de velocidade (36,3%). (Portal do Trânsito)

Um estudo do Grupo Tecnowise complementa esse retrato da imprudência dos motociclistas. Comportamentos considerados perigosos, como o não uso de capacete (30%) e excesso de velocidade (10,8%), são vistos como comuns entre os condutores. Cerca de 45% dos motociclistas de aplicativos afirmam que nunca receberam treinamento para suas atividades. (UOL)

Enquanto isso, a frota de motos continua crescendo no país. A quantidade desses veículos quintuplicou em vinte anos, passando de 6,8 milhões em 2004 para 34,4 milhões neste ano. Segundo dados da Senatran, o uso da moto como instrumento de trabalho aumentou 405% nesse período. (O Globo)

Também na Colômbia, os dados sobre mortes causadas por motos assustam. Os sinistros fatais aumentaram 114% entre 2009 e 2023, segundo seu Observatorio Nacional de Seguridad Vial. Somente entre menores de 18 anos, foram 7.368 mortes nesse período, o equivalente a 33 quedas de avião, ou seja, mais de dois aviões por ano. (El País, em espanhol)

Violência viária avança pelo país

A região Nordeste lidera o número de mortes no trânsito brasileiro. Conforme análise preliminar, feita pela Vital Strategies, dos dados do DataSUS referentes ao ano de 2023, a região foi a que teve mais vítimas da violência viária, apresentando crescimento de 5,4% em 2023, na comparação com o ano anterior. (JC)

A situação em São Paulo segue preocupante. Segundo dados do Infosiga, as mortes em sinistros de trânsito no estado, entre janeiro e setembro de 2024, tiveram alta de quase 20% na comparação com 2023. Somente entre pedestres, foram registradas 1.068 mortes nesses nove meses, número quase 18% maior que o do mesmo período do ano passado (FSP). A taxa de letalidade é a maior em oito anos, com 9,04 óbitos a cada 100 mil pessoas. É inferior apenas à de 2015, primeiro ano da medição, com 9,63. (O Globo)

Dados de Niterói (RJ) também registram aumento. O número de sinistros entre janeiro e agosto foi 24% maior neste ano em comparação com o ano passado, de acordo com o Corpo de Bombeiros. Desde 2017, a cidade está sem radares para fiscalizar o excesso de velocidade. (O Globo)

De olho na fiscalização

Um equipamento de fiscalização por velocidade média está em funcionamento na BR-050, no município de Uberaba (MG). O horário exato da passagem de cada veículo é registrado no início e no fim de um trecho de 11 km. Se o veículo levar menos tempo que o mínimo esperado para percorrer o trecho, ele certamente trafegou acima do limite de velocidade. Por enquanto, a fiscalização acontece em caráter experimental, sem aplicação de multa. (Estadão)

Vale lembrar que a fiscalização por velocidade média, para ser realizada de fato, depende de uma atualização do Código de Trânsito Brasileiro. A medida é uma das metas do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) e objeto do Projeto de Lei 2789/2023. (Transitando pela Vida)

Diversos radares ficaram inoperantes por vários meses na cidade de São Paulo. Com isso, segundo dados do Observatório da Mobilidade Segura, o número de autuações caiu de 9,6 milhões em 2022 para 8,0 milhões em 2023, e então para 2,2 milhões, até o momento, em 2024. De acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), o motivo da interrupção foi a atualização tecnológica dos equipamentos. A fiscalização já está sendo restabelecida e a previsão é que todos os radares estejam funcionando até o fim deste ano. (UOL)

“Na cidade de São Paulo, 38% das mortes de crianças e adolescentes, de 2013 a 2017, ocorreram em um raio de 150 metros de escolas.” A campanha Geração que Move, da UNICEF Brasil, menciona esse dado e outros exemplos de desrespeito que, pela falta de fiscalização, comprometem a segurança nesta faixa etária. A ação é em defesa do direito de toda criança e adolescente de chegar à escola de maneira segura e protegida. (UNICEF, vídeo)

Desacelerando

A prefeitura de Paris tomou a decisão de reduzir a velocidade em seu anel viário urbano (Boulevard périphérique) de 70 km/h para 50 km/h. A medida despertou a resistência de setores que defendem os interesses do transporte individual motorizado. Além do aumento da segurança viária, a redução dos ruídos e dos níveis de poluição foram fatores que também motivaram a atualização. Foi anunciada, para essa mesma via, a implantação de uma faixa exclusiva para transporte coletivo e veículos de emergência. (Mobilize)

Passados meses desde a implementação, em janeiro deste ano, do limite de 30 km/h nas ruas de Bolonha (Itália), a opinião pública começa a perceber os benefícios. “No início, tivemos queda de aprovação [entre os eleitores]. Agora, com os resultados, recuperamos a relação com a população.”, afirma Matteo Lepore, prefeito da cidade. Em julho, a cidade já havia registrado queda de 10,8% no total de sinistros, de 11,6% na quantidade de feridos e 33,3% no número de pessoas mortas. “É preciso fazer as pessoas entenderem que essa é a diferença entre a vida e a morte”, conclui o prefeito. (Folha)

Um grupo técnico da Comissão Europeia divulgou um relatório com recomendações para melhorar a segurança viária nas cidades. Entre elas, a implementação de limites de 30 km/h em áreas urbanas. Outros destaques são medidas para minimizar a distração gerada por telefones e outros dispositivos tecnológicos visuais em veículos – um fator associado a cada vez mais sinistros –, limitações de peso e potência dos veículos e infraestrutura de qualidade para pedestres e ciclistas. (ETSC, em inglês)

Publicações

Na maior parte das cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes, a chance de morrer em um sinistro de trânsito é maior que a chance de ser morto por uma arma de fogo. O dado faz parte do relatório Mortalidade no Brasil: um Comparativo entre Homicídios por Armas de Fogo e Sinistros de Trânsito, publicado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária. Segundo o estudo, o trânsito mata mais do que a violência armada em 73% dos municípios brasileiros, destacando-se também cidades de pequeno porte. (ONSV)

Acaba de sair o VIII Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, que monitora a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil. Nele, a meta 3.6, que é a relacionada à segurança viária, recebeu a classificação “Retrocesso”, a pior da escala. Constatando um crescimento de 34% das mortes no trânsito de 2020 para 2021, o relatório afirma que, para alcançar a meta, o Brasil teria que diminuir as mortes em cerca de 78% ao ano até 2030. Em sua recomendação nº 7, destaca-se a implementação do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) e dos Sistemas Seguros e Visão Zero, “aprimorando a legislação para que os limites de velocidade em vias urbanas não excedam 50 km/h, como recomenda a OMS”. (GTSC A2030)

Para ler as edições anteriores do boletim Sistemas Seguros, acesse este link.

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